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Realeza carioca

Estrela de documentário, rainha de bateria da Acadêmicos de Vigário Geral diz que já foi recusada no posto por ser ‘preta demais’

Geraldo Ribeiro geraldo.ribeiro@extra.inf.br

▶ “Eu gosto do samba, gosto do carnaval, gosto do glamour também, (...) é o único momento em que as pessoas me enxergam.” As falas ditas por Egili Oliveira no documentário “Egili — Rainha retinta no carnaval”, que conta a história da rainha de bateria da Acadêmicos de Vigário Geral, escola que desfila pela Série Ouro na Marquês de Sapucaí, retrata uma realidade enfrentada também nos bastidores da folia, uma festa considerada por muita gente como das mais democráticas e inclusivas do país: a discriminação.

A passista, que tem passagens por diversas escolas de samba e vive do seu gingado desde os 14 anos, conta que precisou sair do país para realizar o maior sonho: tornar-se rainha do carnaval. Egili já reinou entre foliões na Suécia e no Canadá, mas diz que por aqui foi desestimulada a disputar o posto diversas vezes, com o argumento de que era “preta demais” para integrar a corte de Momo.

— Tentei cinco vezes. Primeiro, diziam que eu não estava preparada ainda, mas cheguei a ouvir também que, para ser rainha de carnaval, tinha de parar de tomar sol (numa alusão ao tom da sua pele). Vi que de nada adiantava ser uma boa sambista, me achavam “preta demais” para ser rainha — lamenta.

Pelo mesmo motivo, também já foi preterida na escolha de integrantes para representar as agremiações por onde passou, em concursos televisivos de passistas, tendo sempre de ceder a vez para colegas com um tom de pele mais claro. Com passagens por escolas do Grupo Especial, só encontrou acolhida para virar rainha de bateria numa escola da chamada segunda divisão do samba.

Negras com o mesmo tom de pele que Egili no posto de rainha de bateria na elite do carnaval são poucas, como a atriz Erika Januza, soberana dos ritmistas da Viradouro, e Lorena Raissa, eleita no ano passado pela comunidade da Beija-Flor de Nilópolis para o cargo. Na maioria, prevalecem mulheres pretas de pele mais clara ou brancas, diz a passista.

— Existe um colorismo muito grande no carnaval, e as pretas com tom de pele mais claro aca- bam tendo mais oportunidades do que as retintas, como eu. Isso é visível — aponta.

A diretora, produtora e roteirista Caroline Reucker, uma alemã que vive no Rio desde 2021, queria uma mulher forte e guerreira do universo do carnaval para retratar no seu primeiro longa no país. Pensou inicialmente numa rainha de bateria do Grupo Especial, mas as conversas não evoluíram, por conta de dificuldades com as agendas.

Ela chegou até Egili numa busca nas redes sociais e ficou encantada com suas postagens, que não mostravam só a vida glamourosa da rainha de bateria, mas o lado real da mulher guerreira que ela pretendia retratar nas telas. O componente de discriminação veio a partir do encontro das duas, que se deu pela primeira vez numa lojinha de conveniência de um posto de gasolina.

— Egili tem muitas histórias para contar, e uma delas foi da experiência de racismo dentro do carnaval e na sociedade brasileira — diz Caroline sobre sua protagonista, cuja preparação para o carnaval do ano passado foi acompanhada pela diretora durante os três meses que antecederam o desfile.

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2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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