Extra Digital

‘Crime organizado melhorou a cadeia’

Eduardo Graça eduardo.graca@oglobo.com.br

Aos 79 anos e correndo três vezes por semana, o “Médico do Brasil”, Drauzio Varella, reflete, em novo livro, sobre meio século de medicina e de avanços e retrocessos do país.

O que o motivou a escrever “O exercício da incerteza?”

A idade. Estava chegando perto dos 80 anos e lembrei que havia começado a escrever um livro sobre a morte, “Por um fio”, quando tinha 36 anos. Queria muito mergulhar no pano de fundo do trabalho dos oncologistas. Mas percebi, de uma maneira muito curiosa, que ainda não era capaz de escrever o livro àquela altura.

O que aconteceu?

Eu tratava de uma paciente austríaca, inteligentíssima, que tinha dois filhos e estava internada, com um tumor avançado, no Hospital Sírio e Libanês. Ela foi ficando muito triste, e os filhos foram atrás de um psiquiatra. Ela não via muito sentido naquilo, me dizia: “Doutor, não estou deprimida, estou triste, pois sei, sabemos, que minha situação no tem sada, né?” Mas, para agradar os filhos, o tal psiquiatra, jovem, foi ao hospital naquela mesma noite. No dia seguinte, perguntei como tinha sido. E ela: gostei de conversar com ele, um rapaz muito simpático e inteligente. E a senhora acha que ajudou? “Honestamente? Tenho 80 anos. Meu marido e eu gostávamos de receber em Viena. Freud jantou l em casa. Jung também. Esse menino de 30 anos não pode entender o que significa oito décadas de vida e estar tão perto do fim”. Tomei um choque. Entendi que era pretensioso escrever o livro antes de eu completar 40 anos. Coloquei tudo na gaveta e decidi que voltaria a ele quando tivesse, eu também, 80 anos.

Mas o livro foi publicado, em 2004...

Sim, porque completei 60 e tive outra conversa comigo mesmo: “Quem disse que irei chegar aos 80? Melhor escrever de uma vez! (risos)”. Agora, às vésperas dos 80, lembrei daquela história e percebi que queria mudar minha decisão e fazer uma reflexão sobre o que aconteceu comigo, com a medicina, com o Brasil, nestas oito décadas.

Há dois anos, o senhor aposentou seu consultório, mas continua atendendo no Centro de Detenção Provisória. O que há de diferente do Carandiru de 30 anos atrás? Evoluímos?

Não. Nós, sociedade civil, não conseguimos melhorar a vida daquelas pessoas. Do ponto de vista médico, tirando os casos graves de Aids, nada mudou. Se a cadeia melhorou, o fez por conta do crime organizado, que impôs disciplina e códigos.

O PAÍS

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2022-05-17T07:00:00.0000000Z

2022-05-17T07:00:00.0000000Z

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