Extra Digital

Casos de pequenos furtos sobrecarregam o Judiciário

Furtos praticados por quem não tem o que comer sobrecarregam tribunais

Bianca Gomes e Tiago Dantas brasil@oglobo.com.br

Pessoas que cometem delitos por não terem o que comer são condenadas a penas desproporcionais. Essas ações atravancam a Justiça.

Pacotes de fraldas, produtos de higiene ou uma porção de comida podem valer dias, meses e até anos de prisão no lento curso de uma Justiça abarrotada de processos. Presa após furtar macarrão instantâneo em setembro, uma mulher que mora nas ruas de São Paulo há mais de dez anos, dependente química e mãe de cinco filhos, ficou detida por 13 dias. O caso, que mobilizou as redes sociais, nem foi o mais grave de uma série de histórias que se repetem ao longo dos anos e vitimizam justamente os mais vulneráveis. O desempregado C. esperou mais de quatro anos até que seu processo fosse extinto a pedido da Defensoria. Em 2017, ele levou pedaços de frango de um mercado avaliados em R$ 4. C. não tinha passagem pela polícia. Ao confessar o crime, admitiu: “Só queria matar a fome”.

Histórias de pessoas que furtam porque estão famintas ou não conseguem alimentar a família sobrecarregam o Judiciário. É difícil estimar o número exato de casos, entre a média de 468 furtos diários que ocorrem na capital paulista, por exemplo, que se enquadram no princípio da “insignificância penal”, pelo valor do objeto furtado e pelas condições envolvidas no furto. Em todo o estado, foram registrados 1.389 furtos por dia dos mais diversos tipos e valores, com exceção de carros, que entram em outra estatística. Mas defensores públicos ouvidos pelo EXTRA dizem que a dimensão do problema de discrepância entre crimes e penas no país demanda atenção, e a situação tende a piorar com a crise e a pandemia.

— Esses casos vão aumentar. A gente vê trabalhadores que agora estão em situação de rua. As doações estão diminuindo. Essas pessoas vão ter que fazer algo para sobreviver — diz a defensora Soraia Ramos.

Advogado e presidente do Instituto de Proteção das Garantias Individuais, Carlos Gonçalves estima que 70% dos casos de furtos se encaixem no princípio da insignificância.

— Uma pessoa que furta, nessas condições, nem deveria ser presa — diz.

Em Lages (SC), um desempregado com dois filhos foi condenado a um ano e cinco meses de prisão por furtar um pacote de fraldas. Em São Paulo, A. esperou dois anos para se livrar da acusação de furtar um creme no valor de R$ 7. Em Minas Gerais, uma mulher precisou esperar o STF para se livrar da prisão preventiva pelo furto de um copo de requeijão.

PRIMEIRA PÁGINA

pt-br

2021-10-24T07:00:00.0000000Z

2021-10-24T07:00:00.0000000Z

https://extra-globo.pressreader.com/article/281487869554507

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.