Extra Digital

Racismo nos bancos escolares

Para escritor e educadores, o preconceito racial na educação atrasa desenvolvimento do país

Os livros são fundamentais para transformar uma sociedade racista, disse o escritor Jeferson Tenório na palestra “O avesso da pele”, que abriu o segundo dia do Educação 360:

— A maior transgressão que cometi na vida foi me tornar leitor. Não tive acesso aos livros na infância de maneira fácil, fui um leitor tardio. Há uma estrutura que coloca determinadas pessoas em um lugar de exclusão. A população negra fica sempre à margem do acesso aos bens culturais.

Autor de obras sobre esse tema, Tenório, em seu livro mais recente, "O avesso da pele", traz um personagem que narra as abordagens policiais sofridas pelo pai ao longo da vida, sempre permeadas pelo racismo. Para o escritor, além de escutar e aprender sobre racismo, as pessoas brancas têm que se engajar na luta contra o preconceito. É preciso uma política robusta para formar professores para essa discussão, segundo ele.

—Hoje temos uma gramática antirracista que me parece quase natural. Dificilmente você vai encontrar pessoas que não tenham ouvido falar em racismo estrutural ou privilégio branco. Há um discurso de pessoas brancas dizendo que estão aqui para ouvir e aprender, o que é ótimo. Mas é necessário colocar também um outro verbo aí, o agir. Isso significa ter uma postura antirracista.

Tenório defendeu que as pessoas devem ampliar suas leituras, com autores que tratem da questão racial sem se restringirem a uma visão eurocêntrica. Um dos primeiros cotistas a se formar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele disse que, embora o país tenha avançado no acesso da população negra à educação, ainda há um caminho pela frente:

— O Brasil precisa resolver dois legados terríveis: a escravidão e a ditadura. Enquanto não resolvermos isso de maneira profunda, vamos continuar tendo problemas de exclusão e violência.

Com o racismo latente, o Brasil vive uma “democracia capenga”:

— Não existe democracia com racismo. A gente tem uma democracia capenga, precária. É importante que as pessoas brancas se coloquem num lugar de tomar responsabilidade por essa discussão.

A mesa seguinte à palestra de Tenório, intitulada “A escola tem cor? Racismo sistêmico na educação”, reuniu Kelly Quirino, professora da UnB, pesquisadora e consultora de gênero e raça, Julio Tavares, professor de Antropologia da UFF e pesquisador do Laboratório de Estudos Negros PACC/UFRJ, Samuel Emílio, ativista pela educação e consultor em diversidade e inclusão, e Vanderléia Reis, pesquisadora contemplada pelo edital Equidade Racial na Educação Básica do Itaú Social.

Na avaliação deles, o sistema educacional brasileiro é racista, o que amplia desigualdades, atrasando o desenvolvimento do país. “A escola tem cor”, disse Vanderléia Reis. Na biblioteca, segundo pesquisa realizada por ela em escolas públicas, a escola é branca. Na portaria e nas cozinhas, ela é negra:

— Precisamos pensar nas referências imagéticas que temos no interior da escola.

Segundo ela, menos de 10% do acervo das bibliotecas era formado por autores negros e 0,3%, por indígenas:

— O currículo e material didático também têm cor. São colonizadores e continuam a trazer a mesma história de vencedores e perdedores. Crianças negras ainda são prejudicadas, na avaliação de Samuel Emílio, por um modelo no qual já se espera menos delas.

— A escola acredita que, por ser negro, o aluno vai ter mais dificuldade e menos sucesso. Assim, o próprio estudante passa a acreditar menos em si. Isso gera baixa autoestima e pouco senso de pertencimento. Para Tavares, a perspectiva atual, desde os jesuítas, transmite valores éticos centrados na tradição europeia:

— Isso gera uma tensão entre apagamento e lembrança mesmo quase 200 anos depois da descolonização. Os debatedores apontaram caminhos para a superação de uma escola que aprofunda a desigualdade entre alunos negros e brancos. Para Tavares, é necessária uma política de estado que promova letramento racial. — Letramento racial é dar visibilidade à exclusão racial e aos privilégios da branquitude. Para isso, avaliou Kelly Quirino, é preciso uma alteração da episteme, paradigma segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos.

— Esse letramento racial passa por novas epistemes. Temos indígenas e africanos que vieram sequestrados para cá e que tinham uma outra episteme com contribuição de culturas, saberes e idiomas que sofreram apagamento. Vanderléia Reis aponta medidas urgentes de políticas públicas a serem implementadas nas redes escolares. Entre elas, estão a bolsa permanência e a ampliação do ensino integral com qualidade. — Criança não pode trabalhar. Esse tipo de bolsa permanência garante que ela só estude em escolas de tempo integral.

PESQUISA NA REDE PÚBLICA

Menos de 10% do acervo das bibliotecas escolares é formado por autores negros

EXTRA

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2021-09-20T07:00:00.0000000Z

2021-09-20T07:00:00.0000000Z

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