Extra Digital

Estudo mostra explosão de favelas no Rio

É como se uma surgisse a cada dois meses e meio; estudo aponta também expansão das existentes

Rafael Galdo rafael.galdo@oglobo.com.br

Numa área que era só mato e pés de jamelão, Luciane Jesus construiu a primeira casa de alvenaria do Jardim da Vitória, nos confins de Santa Cruz, Zona Oeste carioca. Era novembro de 1999. Pouco mais de duas décadas depois, a zona rural virou uma comunidade do tamanho de 17 gramados do Maracanã. Tornou-se uma das 1.074 favelas identificadas por um levantamento recém-divulgado do Instituto Pereira Passos (IPP), da Prefeitura do Rio, revelando que, em 2019, com base na interpretação de fotos e imagens de satélite, esses assentamentos ocupavam 4,85 milhões de metros quadrados a mais do que 20 anos antes. Foi uma expansão equivalente a duas vezes o bairro do Leblon ou quase Copacabana e Leme juntos.

O estudo aponta ainda que, desde a primeira mensuração do tipo, em 1999, um total de 97 novas favelas foram erguidas no Rio. É como se uma surgisse a cada dois meses e meio, da Vila Taboinhas, loteada e ocupada em 2007, em Vargem Grande, à Favela Flama, no terreno de uma antiga fábrica de Paciência, com primeiros registros em 2005. Muitas já nasceram sob o jugo das milícias ou do tráfico. E, apesar de a maioria ser fruto do século 21, impõem aos moradores precariedades que deveriam ter ficado no passado.

Quase sem serviço público algum, o Jardim da Vitória, com cerca de 125 mil m² em área, é a maior das comunidades que não existiam no levantamento de 1999. Apesar disso, o esgoto vai para fossas ou corre por valões. O abastecimento de água é improvisado, e o caminhão de lixo não entra nas ruas — feitas pelos próprios moradores, com a numeração dos imóveis desencontrada, porque cada família escolhe a sua. O lugar não tem escola, creche, praça, e não sobrou espaço nem para um campinho de futebol. Ônibus na porta, já teve. Não tem mais: restaram apenas as vans. E mesmo que a vida ali seja difícil, distante de empregos e hospitais, Luciane se acostumou.

— Antes, aqui era uma invasão, com meia dúzia de barracos de lona, muito sapo e mosquito. Compramos o terreno com R$ 500 que meu marido pegou emprestado. E quando você adquire o que é seu, para sair do aluguel, acaba se adaptando — diz ela que, aos 46 anos, já foi balconista de supermercado, diarista, babá na Zona Sul, vendedora de empadinha na rua e, há dois meses, é dona de uma pensão na laje de casa.

Outra das moradoras mais antigas, Maria Aparecida França, de 65 anos, diz gostar de onde vive, porque os netos e bisnetos, todos na vizinhança, ainda podem brincar na rua. Mas ela conhece bem os dissabores de um local que permanece praticamente invisível ao restante da cidade.

— Quando chove, misericórdia! Digo que o asfalto derrete. Na verdade, é lama, porque nenhuma rua aqui é pavimentada. Algumas áreas alagam. Tive que aterrar o quintal, de tanta água com esgoto que entrava — diz ela, que depois da obra está sem porta em casa, à espera de juntar dinheiro para comprar uma nova.

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2021-09-20T07:00:00.0000000Z

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