Extra Digital

A NOVA MATANÇA DE UMA VELHA GUERRA

Com 25 mortes, incursão ao Jacarezinho se torna a mais letal da história do Estado do Rio

Mais uma vez o Rio assistiu a um dia de terror numa região pobre da cidade. Uma operação da Polícia Civil no Jacarezinho deixou 25 mortos — a mais letal já registrada no estado. As vítimas são um agente da Core e 24 moradores, que, segundo a polícia, eram bandidos. Entidades da sociedade civil receberam denúncias de que os agentes invadiram casas, cometeram execuções, tomaram celulares e chegaram a matar um homem na frente de uma criança de 8 anos. A polícia negou os abusos, disse que as mortes ocorreram em resposta a ataques de criminosos e informou que ação era para coibir o aliciamento de menores pelo tráfico.

Nunca o Rio de Janeiro viu tamanho banho de sangue numa operação. O sol ainda não tinha saído quando a Polícia Civil deu início, ontem, a um verdadeiro massacre no Jacarezinho, que somou 24 mortos. Baleado ao trocar tiros com integrantes da maior facção criminosa do estado, um agente da Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) também não resistiu. Pelo menos cinco pessoas ficaram feridas, inclusive dois passageiros de uma composição do metrô que passava por um trecho de superfície próximo à comunidade. À tarde, vários delegados se reuniram para uma entrevista coletiva e disseram que a incursão à favela da Zona Norte foi resultado de uma investigação que durou dez meses. O principal objetivo, segundo autoridades, era afastar crianças do tráfico de drogas da região.

Tudo aconteceu a cerca de cem metros da Cidade da Polícia, vizinha ao Jacarezinho. O inspetor Leonardo de Mello Frias, da DCOD, levou um tiro na cabeça logo na entrada da comunidade. Chegou a ser levado a um hospital, mas não resistiu ao ferimento. A Polícia Civil informou que a maior motivação para a ofensiva contra bandidos da favela foi uma descoberta da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA): em um inquérito, a especializada afirma que a quadrilha local vinha recrutando meninos a partir dos 12 anos de idade, que estariam circulando com pistolas e fuzis. Além disso, o bando estaria praticando uma série de “atos terroristas”, como sequestros de trens da SuperVia.

Os confrontos entre policiais e traficantes foram intensos e o desespero extrapolou os limites da comunidade. Escolas e postos de saúde que faziam a vacinação contra a Covid-19 fecharam. Uma mulher foi baleada num pé dentro de casa, a centenas de metros do Jacarezinho. Tiros atingiram uma composição do metrô nas proximidades da estação de Triagem, deixando feridos os passageiros Rafael Silva, de 33 anos, e Humberto Gomes Duarte, de 20. O primeiro, que é militar, foi levado ao Hospital Salgado Filho, no Méier, porém acabou indo por conta própria para uma unidade de saúde da Marinha. O segundo foi encaminhado ao Souza Aguiar, no Centro, onde médicos classificaram seu quadro clínico como estável.

Dois policiais também ficaram feridos. Dez

MOTIVO Delegados dizem que traficantes recrutavam meninos de 12 anos

pessoas foram presas, sendo que três estavam entre os alvos dos 21 mandados de captura expedidos para a operação. Agentes apreenderam seis fuzis, uma submetralhadora, 16 pistolas, 12 granadas e munição antitanque. À tarde, durante uma entrevista coletiva, delegados defenderam a ofensiva e afirmaram que todos os mortos tinham ligação com o crime organizado.

— Não é razoável que crianças sejam aliciadas. Os bandidos atraíam filhos de trabalhadores — disse Rodrigo Oliveira, titular da DPCA.

No entanto, a justificativa não encontrou apoio no Ministério Público estadual, que anunciou a abertura de uma investigação independente para apurar supostos abusos. Por sua vez, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal informou que pedirá explicações à polícia. E, segundo o ouvidor-geral da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel, corpos que foram arrastados e deixaram rastros de sangue indicam a necessidade de verificação de tudo que aconteceu no Jacarezinho.

Delegados afirmaram não ter receio e frisaram que tudo foi feito sem ferir a decisão do Supremo Tribunal Federal que, na pandemia, restringe a realização de operações em comunidades do Rio a casos “excepcionais”.

— Fomos lá para garantir o direito da população. A única execução no Jacarezinho foi a do policial. As outras mortes que acontecerem foram de criminosos que nos atacaram — destacou Felipe Curi, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE).

« Não é razoável que crianças sejam aliciadas pelo tráfico. Bandidos atraíam filhos de trabalhadores. A decisão do STF não impede a polícia de fazer o dever de casa»

Rodrigo Oliveira

Delegado titular da DPCA

«A única execução no Jacarezinho foi a do policial. As outras mortes que acontecerem foram de criminosos que nos atacaram. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de dez meses de investigação. Quem não reagiu, foi preso ou fugiu»

Felipe Curi

Diretor da DGPE

« De repente, uma janela se quebrou e houve desespero. Era tiro lá da favela, acertou o metrô. Um rapaz caiu ensanguentado no chão, uma mulher gritava e chorava muito. Foi difícil acreditar no que estava acontecendo»

Passageiro do metrô

«Entramos em algumas residências onde ocorreram homicídios, e corpos tinham sido retirados dali. O que mais me chamou atenção foi o trauma das pessoas que residem nos domicílios»

Guilherme Pimentel

Defensor público

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2021-05-07T07:00:00.0000000Z

2021-05-07T07:00:00.0000000Z

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