CASAL VENCEDOR

TEXTO CARLA FELICIA carla.almeida@extra.inf.br FOTOS VINÍCIUS MOCHIZUKI @viniciusmochizuki BELEZA YAGO MAIA @yago_maia_al

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.

https://extra-globo.pressreader.com/article/282265260166037

CAPA

Juntos há 17 anos, o jogador do Fluminense e a atriz, pais de dois meninos, contam sobre a rotina da família, lembram como foi o início do namoro, relatam preconceitos vividos, festejam a volta ao Rio de Janeiro e se preparam para os novos passos profissionais Quando finalmente decidiu retornar ao Brasil, no início deste ano, para voltar a jogar no Fluminense, o lateral-esquerdo Marcelo ouviu uma exigência da mulher, a atriz Clarice Alves: “A gente não está indo lá à toa não, tá? Você trata de ganhar essa Libertadores!”. Ele “obedeceu”. No último dia 4, no Maracanã lotado, o atleta ajudou o tricolor a derrotar o Boca Juniors, da Argentina, e a conquistar o título mais importante de sua história. Depois de 16 anos na Espanha, onde se tornou o jogador mais vitorioso e uma verdadeira lenda do tradicional Real Madrid, Marcelo viveu uma experiência inédita: ser campeão continental com o clube do coração, que o formou como atleta e o preparou para a carreira de sucesso na Europa. — Somos uma família vencedora. Não tinha como vir para cá e não dar certo — afirma ele, com aquela marra típica do carioca da gema. A decisão de embarcar rumo à terra natal, carregando a bagagem de uma vida, foi precedida de muita conversa, incluindo os filhos Enzo, de 14 anos, e Liam, de 8, ambos nascidos na Espanha. Para Marcelo, hoje com 35, era um movimento importante: seu ciclo profissional em Madri já havia se encerrado e ele desbravava um território novo jogando havia seis meses no grego Olympiacos, mas sentia que tinha uma dívida com o Fluminense. Já Clarice, de 34, que equilibrou a administração da casa com a maternidade sem deixar de lado o trabalho como artista num país estrangeiro, estava empolgada para retomar a carreira no Brasil. Mas havia Enzo. Seguindo os passos do pai, o mais velho é atacante das categorias de base do Real Madrid, assinou em 2022 o primeiro contrato profissional com o clube e este ano foi convocado para a seleção sub-15 da Espanha. Ele queria ficar. E ficou. — Enzo tem a cabeça de alguém de 18 — conta a mãe: — Viaja com o clube desde que tem 6. Arruma a mala, leva a identidade, se preocupa com o passaporte. Tem essa disciplina do esporte e a experiência de viajar o mundo inteiro com a gente desde muito novo. É super-responsável com o colégio, com as coisas dele. Sabe que para jogar tem que estar 100%, mostrar as notas. O período na Grécia acabou servindo como um test drive para o que estaria por vir. Marcelo e Clarice viram que o filho ficou muito bem na casa deles em Madri, acompanhado de perto por Teresa, funcionária da família desde o início da vida deles no exterior. Tendo o suporte de Caio — irmão da atriz e empresário do jogador, que continua morando na capital espanhola com a mulher e as filhas — , sentiram-se seguros o suficiente para aumentar a distância da ponte aérea entre eles, de três para dez horas de voo, e lidar com a saudade. — A gente tem uma estrutura organizada lá, com pessoas de muita confiança. Teresa leva ele à escola, ao treino e cuida dos nossos filhos de quatro patas também. Veio para o Rio só um cachorrinho (Kora, uma Terra Nova gigante que pesa “apenas” 60kg e é muito agarrada a Liam), mas ficaram três (um labrador, um buldogue inglês e outra Terra Nova, tia-avó de Kora) e um gato (adotado) em Madri — explica Clarice: — E não passam mais de 20 dias sem eu ir para lá ou ele vir para cá. Nesta segunda-feira, 20, estou indo ficar uma semana. O pai, em razão dos compromissos com o Fluminense, tem que acompanhar as conquistas da cria um pouco mais de longe. A atriz entrega que o marido fica mais nervoso nos jogos do filho do que nos dele próprio. Marcelo, por sua vez, assegura que, mesmo do alto de quem já conquistou quase todos os títulos com que um jogador pode sonhar, tenta não dar uma de treinador de Enzo. O ímpeto de opinar diminuiu consideravelmente depois de um episódio no qual o menino mostrou ter herdado do pai não só o talento, mas a personalidade forte: — Teve um jogo, semifinal de um campeonato importante em Miami, contra o Sevilla, que foi para os pênaltis. Como era sub-7, o gol era menor que o normal. Falei: “Enzo, cuidado. Porque o gol é pequeno. Se você chutar devagar, o goleiro vai pegar. Mira um lado e chuta forte”. Ele respondeu: “Tem que chutar forte? Tá bom”. E fez tudo ao contrário. Foi devagarinho, virou o pé na hora, o goleiro foi para um lado, a bola para o outro. Fez o gol e olhou para mim. E a Clarice rindo. Pensei: “cara, não vou falar mais nada, parei”. Passei vergonha. Se o pai foi a inspiração para o primogênito decidir o que queria fazer da vida, Enzo cumpre esse papel para Liam. Segundo Marcelo, o maior é o herói do menor, que, vejam só, também adora uma bola e joga futsal no sub-8 do Fluminense. O caçula está amando morar no apartamento luxuoso na Praia do Flamengo onde costumava se hospedar apenas nas férias e conviver com os primos e avós. Tem curtido muito a praia, o mate, o açaí. O prazer também é dos pais, nascidos e criados na mesma região — ele em Botafogo, ela no Catete. — Nós dois crescemos aqui, nossos melhores amigos e nossas famílias estão nessa área. Temos uma conexão muito forte com o Rio — diz Clarice: — E o Liam está vivendo muito intensamente essa nossa cultura, o lugar onde a gente cresceu. Nós passeamos muito com a nossa cachorra, ela adora nadar. A gente ama fazer passeios ao ar livre, sempre que pode vai à praia, jogar frescobol ou vôlei, andar de bicicleta. Futebol, obviamente... Os meninos adoram jogar uma pelada no Aterro. E vamos a lugares que a gente já frequentava quando era cri ança, agora com nosso filho, é bem emocionante. Lanchonetes, padarias... O momento é de resgatar as raízes e reviver, agora com muito mais conforto, obviamente, a vida que tinham quando começaram a namorar adolescentes, em meio à beleza e ao caos da Cidade Maravilhosa. Marcelo Vieira da Silva Júnior — filho da professora primária Maria e do bombeiro aposentado que lhe deu o nome — era o melhor amigo de Caio, irmão da atriz. Vivia na casa dela, dormia lá, viajava com eles e os pais, a jornalista Margareth e o mestre de boxe tailandês Luís Alves, falecido em 2010. A amizade que também acabou surgindo entre os dois virou, em março de 2006, um namoro que, em poucos meses, experimentou uma prova de fogo: em novembro, aos 18 anos, ele foi vendido ao Real Madrid. Clarice tinha 17. — Nessa idade, é amor, descobrindo tudo, né? Ele falou: “vamos embora, quero ir com você”. Todo mundo se surpreendeu quando viu que era firme, que a gente estava decidido — recorda ela: — Meus pais concordaram porque não era alguém que eu tinha acabado de conhecer, era Marcelo. Juntos, eles desbravaram uma nova realidade na Europa, que trouxe muito dinheiro e luxo para a rotina, mas que nem sempre foi fácil. Enfrentaram não só o racismo, ao qual Marcelo já estava acostumado antes de viajar, mas também a xenofobia. — Sofri racismo quando era pequeno, adolescente, adulto. Na rua aqui no Brasil, na Espanha, na Rússia, na Inglaterra. Dentro de campo, fora de campo. Várias vezes, mas não me afetou, nem quando eu não era famoso, nem quando fiquei famoso. Tendo o amor da minha família, dos meus filhos, isso nunca vai me atrapalhar. Tenho que pensar que algum dia isso vai acabar, e as pessoas vão ter mais amor no coração. O racista é aquele que não tem amor no coração — declara o jogador, na véspera do Dia da Consciência Negra. Assim como Marcelo, Clarice prefere não lembrar situações específicas que viveu, mas lembra a importância do papel da educação na luta para quebrar o preconceito: — Já sofri com meus filhos, já sofri eu mesma, já vi o Marcelo sofrendo. É uma realidade, não só do negro, mas do estrangeiro fora do seu país. A gente tem que continuar se posicionando, não abaixando a cabeça, ensinando os nossos filhos. Dois anos depois da mudança para a Espanha, os dois se casaram, durante as férias no Brasil, com uma festa de arromba no Copacabana Palace. Em 2018, celebraram os dez anos de união no mesmo lugar, numa comemoração surpresa organizada pelo jogador. E até hoje continuam dando provas de que o amor não apenas sobreviveu àquele teste do início, mas foi aprovado com louvor. É muito raro encontrar na elite do futebol um casal tão longevo, sem envolvimento em polêmicas. O segredo, para ambos, passa pela cumplicidade. — São meios complicados os nossos, mas a gente se escuta e se conhece muito — assegura Clarice: — Ele sente quando estou mais carregada, eu noto quando ele precisa mais de mim. Quando a gente precisa conversar, existe essa troca. É complicado ter essa troca intensa e constante com seu parceiro, de maneira tão transparente. Mas essa escuta e esse respeito são fundamentais pra dar valor a quem está do seu lado esse tempo todo, nos bons e nos momentos difíceis. Mas se tem uma festa pela conquista de um campeonato, por exemplo, tem regra de que horas Marcelo pode chegar em casa? — Não, se eu vou comemorar um título, ela vai comemorar comigo. A regra é simples — decreta o jogador. O craque tricolor admite ser o mais ciumento entre os dois. E revela que já melhorou: nem sempre encarou com tranquilidade a profissão da mulher. Como em 2014, quando ela rodou na Itália o filme “Diminuta”, de Bruno Saglia, e fez par romântico com Reynaldo Gianecchini. — Qual homem do mundo que não vai ter ciúme do Gianecchini? Já tive muito ciúme, até eu entender o trabalho dela... Eu não conseguia ver, ficava “caramba, mas tá dando um beijo, mas tá não sei o quê”. Depois conheci o Giannecchini, os atores, o diretor e tudo mais. Vi que tem uma quantidade de gente atrás. Hoje tiro de letra, quero que ela faça tudo que tem para fazer — afirma Marcelo: — Se tiver um convite pra fazer novela com Cauã Reymond, até eu faria (risos). Já fez com o Giane, não aconteceu nada, tô tranquilo, tá tudo certo. Neste momento, Clarice está terminando de filmar, na Espanha, o longa “Tras los pasos de la Rubia Platino”, do americano Jake David Shapiro. Formada em Artes Cênicas em Madri, ela ainda tem no currículo a protagonista do filme “Urubú” (2019), do espanhol Alejandro Ibáñez, rodado na Amazônia. Na TV, fez participações na novela “Tempo de amar” (2018) e na minissérie “Passaporte para a liberdade” (2021), ambas da Globo. E está empolgada com os planos de voltar a atuar em português. — Não posso dar detalhes, mas tenho coisas em vista. Gosto tanto de novela quanto de cinema. Me vejo no futuro fazendo tudo, em todos os lugares possíveis. Se eu tiver a oportunidade de voltar a fazer novela, vou fazer superfeliz. Já, já Marcelo vai ter que parar de jogar, porque, enfim, né? Vai estar velhinho (risos). E a gente vai estar, com as crianças maiores, viajando pelo mundo, onde tiver projeto. Estou superaberta, tanto na Europa como aqui. Uma viagem já tem data marcada, mas ainda ligada ao trabalho do marido e com as crianças a tiracolo. Em meados de dezembro, vão todos ver de perto Marcelo disputar o Mundial de Clubes, na Arábia Saudita. Na expectativa de encerrarem um ano especial para a família da maneira perfeita: com mais um título.l

pt-br