‘Levei 45 anos para descobrir’

Jornalista fala sobre lipedema, condição nem tão rara que a fez sofrer e que médicos não descobriram

* Carolina Morand em depoimento a Adriana Dias Lopes

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

2023-11-19T08:00:00.0000000Z

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BEM-VIVER

▶Desde a adolescência, eu e minha irmã temos uma piada interna: qualquer dia, vamos encontrar, andando pela rua, a parte de baixo correta dos nossos corpos. Porque, evidentemente, houve algum engano na “linha de montagem divina”, e alguém nos atarraxou um quadril errado, maior do que deveria. Eu também sempre brinquei que gostaria de ser como o caranguejo, e andar de lado. Tão magra de perfil e tão larga de frente! Levei 45 anos para descobrir que essa sensação de ter dois corpos incompatíveis unidos em um só, tão comum na minha família, é a principal característica de uma doença com nome pomposo: lipedema. Uma condição genética e progressiva, com gatilhos hormonais (puberdade, gravidez, menopausa etc), que causa acúmulo atípico de gordura nos quadris, coxas, pernas e braços. Mas isso eu só aprendi recentemente. Até então, achava que meus culotes e coxas grossas e disformes eram biotipo, coisa de família, gordura localizada, celulite. Aos olhos da sociedade, representavam falta de força de vontade, desleixo. Há algumas semanas, me deparei com uma publicação sobre lipedema em uma rede social e, ao ver fotos de pacientes, tomei um susto. Mandei o link para a minha irmã na hora: “Acho que a gente tem isso! Olha essas fotos!” Atônita, virei a noite lendo a descrição dos sintomas e pesquisando. Parecia o roteiro da minha vida! Como é que eu, jornalista com acesso a todo tipo de informação, nunca tinha ouvido falar em lipedema? Questionei familiares, colegas e amigos. Ninguém conhecia tampouco. Continuei minha busca na Internet e encontrei bons conteúdos de alguns poucos profissionais, além de associações e movimentos criados para dar visibilidade ao tema. Aprendi que o lipedema afeta, na quase totalidade dos casos, mulheres. E não são poucas: nada menos que 12% das brasileiras são portadoras. É muita gente! Dá para imaginar uma doença que afete 12% dos homens e ninguém conheça? Pois é… O lipedema foi descrito ainda nos anos 1940, mas só foi incluído na Classificação Internacional de Doenças que entrou em vigor no ano passado, a CID 11. Uma demora de mais de oito décadas! Em 45 anos de vida passei por inúmeros médicos e profissionais da saúde. Nenhum jamais mencionou lipedema, apesar de o meu ser um caso evidente. Fui uma criança e uma adolescente gorda e, na idade adulta, oscilei entre o sobrepeso e a obesidade. Na época não tinha consciência disso, mas meu lipedema começou a se agravar quando passei a tomar pílula anticoncepcional, aos 19 anos, após um diagnóstico de Síndrome de Ovários Policísticos, que me causava acne severa. Aos 26 anos, só interrompi o uso da pílula para engravidar, em 2009. Na gestação, me alimentei de forma exemplar, “orgulho da nutri”! Ainda assim, engordei 14 quilos e tive que lidar com muito inchaço nas pernas. Logo depois do parto, desapareceram 11 dos 14 quilos, e minha barriga rapidamente voltou ao normal, mas surgiram novos e enormes coxins de gordura nos quadris. O resultado de tanta descredibilização e frustração foi que eu, simplesmente, desisti. Passei anos fugindo de consultórios médicos e academias. Pra que tanta dieta e exercício, se não funciona? Nesse processo, atingi 104 quilos, mal distribuídos em 1,74 m de altura. Eram 130 centímetros só no quadril! Diminuí para 118cm. A doença não consta no rol de cobertura dos planos de saúde, e ainda não tem protocolo adequado de tratamento pelo SUS. E quem não pode pagar?

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